Em 2020, uma equipe da Universidade de Stanford (EUA) preparou um ranking mundial de cientistas, por meio de métricas que avaliam o impacto do pesquisador ao longo da carreira. A análise considerou citações, autocitações, número de artigos publicados, índice de coautoria e contribuições e foi publicada na revista Public Library of Science (Plos) Biology. Professor emérito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 1994, e da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em 2006, Raimundo Braz Filho foi um dos cientistas listados como mais influentes do mundo.
Contudo este não foi o único feito brilhante da trajetória de Braz. Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o docente é responsável por uma sólida contribuição às pesquisas brasileiras na área de química de produtos naturais de vegetais, ou fitoquímica – como é concebida atualmente -, cujos estudos promovem a preservação da biodiversidade, bem como a exploração racional das fontes naturais.
Defensor das pesquisas científicas para o desenvolvimento sustentável do país, Braz participou diretamente de trabalhos que resultaram no depósito de quatro patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), todas relacionadas a propriedades farmacêuticas de plantas. São quase 60 anos dedicados à investigação da flora e de sua composição química, à geração de novos conhecimentos e à formação de recursos humanos qualificados.
Além de notável cientista, este agrônomo natural de Pacatuba, Ceará, também contribuiu para administração acadêmica, como reitor da UENF na gestão 2003-2007. Com 86 anos, Braz continua na ativa. Desenvolve atividades profissionais na UFRRJ e, também, na UENF, por meio do programa Pesquisador Visitante Emérito (PVE) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Devido às restrições impostas pela pandemia, permanece em trabalho remoto em sua residência no município de Seropédica – RJ. Ele e a esposa, a professora aposentada da UFRRJ Maria Maronci Monte Braz, já receberam as duas doses da vacina contra Covid-19. Sobre o cenário desolador que enfrentamos, marcado pela redução drástica nos investimentos em pesquisa e pelo crescimento da desinformação científica, o docente expressa profunda preocupação. “O Brasil tem sido vítima histórica e permanente da falta de atenção e compreensão dos ocupantes de cargos nos órgãos executivos e legislativos, desprezando e ignorando sempre a importância da educação, ciência e tecnologia para o desenvolvimento social, econômico e preservação da saúde”.
Confira a seguir a entrevista que Braz concedeu à Coordenadoria de Comunicação Social da UFRRJ:
O senhor nasceu no distrito de Carapió, onde não havia escola. Como foi o início de sua vida escolar?
Iniciei meus estudos como único aluno do senhor Armando Barros Alves, proprietário de uma mercearia a um quilômetro de distância de nossa residência. As aulas eram ministradas no próprio balcão, durante os intervalos de atendimento aos clientes. Àquela época, costumava acompanhar meu pai para ajudá-lo nas atividades agrícolas. Em uma de suas frequentes viagens pelo interior, meu padrinho Francisco das Chagas de Albuquerque e Souza parou o cavalo em frente a nossa residência e ao ver-me, ainda criança, tentando ajudar meu pai no trabalho agrícola, questionou porque eu não estava numa escola em Pacatuba. Ao saber que tal objetivo esbarrava em dificuldades de acomodação, ofereceu-me imediatamente hospedagem em sua residência, onde convivi e tive o apoio dos demais membros da família, possibilitando o acesso a uma etapa decisiva da minha atividade estudantil. Em Pacatuba estudei com o professor Antônio Pinto, ex-seminarista competente e exigente, que usava a palmatória para punir alunos por erros cometidos. Felizmente, consegui vencer esta etapa sem sentir os efeitos desse primitivo e perverso instrumento de punição. Quando mudou-se para Fortaleza, meu padrinho levou-me consigo e aí conclui o Curso de Admissão no Instituto São Raimundo. Após frequentar um programa complementar específico, consegui vaga para o Curso Ginasial no Liceu do Ceará, na época, conceituada instituição de ensino público do Estado. Uma grande vitória, dada a intensa concorrência.
O senhor foi jogador de futebol profissional. Como foi esse período em que se dedicou ao esporte?
Durante o Curso Científico, no mesmo Colégio, morei em pensões no bairro Joaquim Távora e joguei futebol em vários clubes: Nash (time do bairro Joaquim Távora onde residia), no time do Município de Pacatuba (onde nasci) e no Nacional (time dos Correios e Telégrafos e da primeira divisão do futebol cearense). Em 1956 passei a jogar (conhecido como Dico II) no Ceará Sporting Clube, time mais popular e querido da Primeira Divisão do Futebol Cearense, residindo na sua sede no Estádio Carlos de Alencar Pinto com outros jogadores no bairro Porangabuçú, Fortaleza, como jogador profissional, onde fui Supercampeão – Bicampeão – 1957/1958, mesmo não sendo titular absoluto, mas sempre presente como titular ou no banco dos reservas.
O futebol ainda está presente em sua vida? É torcedor de algum time?
Continuo entusiasmado com o futebol e torcendo pelo Ceará S. C., onde atuei como profissional, Flamengo, também como sócio, e Seleção Brasileira.
Como se deu sua decisão de ingressar na universidade?
Em 1957, após começar o namoro com minha atual esposa, Maria Maronci Monte Braz, decidi retomar aos estudos para ingressar num curso superior público, mesmo continuando residindo na sede do Ceará Sporting Clube, no bairro Porangabuçu, em Fortaleza – CE. Durante o ano de 1958, eu e meu grande amigo-irmão, José Braga Paiva, começamos os estudos diários em todos horários disponíveis, excetuando-se meus horários de treinos e jogos. Dedicamo-nos intensamente para concorrer a vagas no curso de Agronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Este esforço e dedicação, exclusivamente pessoais e sem frequência a cursinhos especiais, permitiram-nos classificação entre os cinco primeiros lugares, eu em segundo lugar e o Paiva em quinto, para ingressar na UFC em 1959. Durante o curso, transferi-me do Ceará Sporting Clube para jogar em dois outros times da Primeira Divisão do futebol cearense: Calouros do Ar, em 1959, e Gentilândia, em 1960.
Por que a escolha pela Agronomia?
O meu pai, Raimundo Braz de Souza, era dedicado e incansável agricultor, cultivando, principalmente mandioca, macaxeira, feijão, milho e arroz, inicialmente, em terreno alugado da família conhecida com Novais e depois no seu próprio após comprar, onde construiu residência e uma casa de farinha. Sempre que possível, e depois nos períodos de férias, assumia a minha intensa participação nessas atividades agrícolas, o que certamente contribuiu para a minha decisão na busca de vestibular e formação profissional na área de Agronomia.
Como desenvolveu seu interesse pela pesquisa científica?
Em 1960, fui selecionado pelo professor de Química Orgânica da Escola de Agronomia da UFC, José Wilson de Alencar, com base na melhor nota de Química Orgânica, para uma bolsa de Iniciação Científica da Comissão Central de Pesquisa da UFC, oferecida pelo professor Manuel Mateus Ventura, então diretor do Instituto de Química e Tecnologia (IQT). Estes professores foram essenciais para minha opção profissional definitiva, dois exemplos como representantes dignos da competência, dedicação e conduta cidadã. Foram os sustentáculos para o desenvolvimento da Química na UFC e, consequentemente, no Brasil.
Quais os caminhos trilhados após a conclusão da graduação?
Após concluir a graduação em Agronomia em 1962 – como filho mais velho e o primeiro graduado do casal Raimundo Braz de Souza e Maria Braz Bessa – pais de oito filhos e duas filhas -, decidi aceitar a proposta honrosa do professor Ventura para permanecer no Instituto de Química e Tecnologia, como assistente de pesquisa com bolsa da Comissão Central de Pesquisa da UFC. Naquela oportunidade, em novembro de 1962, órgãos como Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (Ancar) procuravam os formandos para contratação com ofertas de salários bastante atraentes. Alguns colegas de turma estranharam a minha opção para permanecer como bolsista diante de uma oportunidade salarial com maior estabilidade profissional. Continuo feliz e convicto da oportuna e acertada decisão. O professor Ventura viabilizou minha participação no Curso Básico de Fitoquímica Experimental, a nível de especialização, de janeiro a março de 1963, oferecido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus – AM, com a participação dos professores Otto Richard Gottlieb e Mauro Taveira Magalhães, vinculados na época ao Instituto de Química Agrícola do Ministério da Agricultura, Jardim Botânico – Rio de Janeiro – RJ, onde, posteriormente, em julho de 1963, esse curso teve continuação contribuindo terminantemente para minha decisão na busca de qualificação profissional em Química de Produtos Naturais – Química Orgânica, especialização que continuei desenvolvendo na UFRRJ e na UENF, após minha transferência da UFC para a UFRRJ em 1975.
Como foi sua trajetória como estudante da pós-graduação?
Em abril de 1963, conquistei o cargo de Instrutor de Ensino Superior no Departamento de Química Agrícola da Escola de Agronomia da UFC. Em março de 1965, já pensando no fortalecimento de qualificação profissional iniciada no INPA, aproveitei o apoio e orientação do professor Ventura para minha inscrição no Mestrado oferecido pelo Curso de Pós-graduação em Química de Produtos Naturais – Química Orgânica da Universidade de Brasília (UnB), coordenado pelo professor Otto Richard Gottlieb. Naquela instituição vivenciei um clima misto de efervescência intelectual e pioneirismo proporcionado pelo entusiasmo de grandes mestres que conduziam a Universidade para se firmar entre as melhores do País. Ao mesmo tempo, convivi também o clima de tensão decorrido de medidas arbitradas impostas por militares e políticos que, não respeitavam a autonomia universitária e, aparentemente, não dispunham de capacidade intelectual para compreender o novo modelo de funcionamento institucional programado por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Em 19 de novembro de 1965, ocorreu a necessidade de transferência para o Rio de Janeiro, após um período de resistência da comunidade universitária da UnB aos atos arbitrários desencadeados pelas autoridades responsáveis pela ditadura militar instalada no País, impelindo cerca de 200 professores para uma renúncia coletiva. Coordenados por Otto R. Gottlieb, os professores e alunos de pós-graduação em química dividiram-se em dois grupos, sendo que um foi recebido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o outro pela UFRRJ, após permanência transitória no Centro de Pesquisas em Produtos Naturais (CPPN) – atualmente Instituto de Pesquisas de Produtos Naturais (IPPN) – da Faculdade de Farmácia da UFRJ. Em março de 1966, os professores Otto e o professor da UFRJ Fausto Aita Gai conseguiram oficializar o funcionamento do curso de pós-graduação em Fitoquímica na UFRRJ, para onde nos transferimos. Tenho uma foto que registra cinco dos oito componentes da turma pioneira que continuaram as atividades de pós-graduação na UFRRJ. Os três ausentes durante o registro foram o paraense Jamil Corrêa Mourão, a mineira Maria Auxiliadora Coelho Kaplan e a pernambucana Nídia Franca Cavalcante. No ano seguinte, ingressaram novos alunos de pós-graduação oriundos da Universidade Federal do Pará (UFPA), Carlos Humberto Souza Andrade, Ceres Maria Rezende e José Guilherme Soares Maia, e do estado de São Paulo, Maria Vittoria.
Com a aprovação em exame de candidatura, perante banca examinadora constituída por cinco membros – professor Otto Richard Gottlieb, meu orientador, Walter Baptist Mors (UFRRJ), Ary Coelho da Silva (UnB), Roberto Alvahydo (UFRRJ) e Hélio Saul Ramos Barreto (UFRRJ) – passei diretamente para o doutorado com nota dez. Como aluno de doutorado, durante o período de julho de 1967 a março de 1970, permaneci como chefe do Laboratório de Produtos Naturais da Universidade de São Paulo (USP) e ministrei disciplinas de pós-graduação. O professor Otto Gottlieb, competente e dedicado coordenador do curso de Pós-graduação em Química de Produtos Naturais – Química Orgânica da UFRRJ, promoveu nos meses de julho, durante o período de 1969 a 1973, programação de atividades didáticas, disciplinas de atualização em graduação e pós-graduação, contando com a colaboração de professores de outras instituições nacionais e estrangeiras. O professor Ernest Wenkert (in Memoriam), na época professor da University of California – Department of Chemistry, San Diego, La Jolla, USA, foi um dos professores que ministraram disciplinas mais de uma vez. O professor Wenkert adorava participar das noitadas de cerveja, mas só tomava um ou dois copos. Wenkert ficava até a madrugada e, no dia seguinte, às 8 horas da manhã, estava dando aula na Sala 20 do Pavilhão de Química (PQ), um anfiteatro com capacidade para 200 pessoas. Então, perguntava se haveria novamente outra rodada de cerveja. Defendi minha tese de doutorado em 3 de setembro de 1971, perante banca examinadora constituída pelos professores Otto R. Gottlieb, meu orientador, Walter B. Mors (UFRJ), Paulo Carvalho Ferreira (USP), Paulo Costa Pereira (UFRRJ) e Fausto Aita Gai (UFRRJ), quando conquistei mais uma nota dez.
Após a conclusão do doutorado, quais atividades o senhor desenvolveu na UFC?
Permaneci na UFC durante o período correspondente ao tempo de afastamento que me fora concedido para o doutoramento. Durante esse período, participei ativamente das atividades de ensino de graduação lecionando disciplinas teóricas e práticas de Química Orgânica, orientei bolsistas de Iniciação Científica contemplados com bolsas concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ofereci um curso de especialização em Química Orgânica Sintética, adotando como livro texto e programação a primeira edição a livro de W. Carruthers – Some Modern Methods of Organic Synthesis, Cambridge University Press, Great Britain, 1971. Através de auxílio concedido pelo CNPq naquela época foi possível comprar um aparelho de RMN1H (60 MHz), modelo EM-360 da VARIAN.
Como foi sua mudança para o Rio de Janeiro?
A convite do professor Fausto Aita Gai, reitor naquela época, em junho de 1975, transferi-me para a UFRRJ, onde assumi a categoria de professor titular do Departamento de Química (DEQUIM) do Instituto de Ciências Exatas (ICE) – atualmente Instituto de Química (IQ) –, com a responsabilidade, inclusive, de reativar o Curso de Pós-graduação em Química de Produtos Naturais – Química Orgânica. As atividades estavam interrompidas desde a saída do Professor Gottlieb para atender ao novo vínculo empregatício com o Instituto de Química da USP. Como coordenador e professor, contando com a participação efetiva e dedicada dos demais professores, foi possível reiniciar as atividades do Curso, ampliar o número de linhas de pesquisa através da contratação de novos docentes. Atualmente, o curso oferece mestrado e doutorado credenciados pela Capes e encontra-se plenamente consolidado. Assim, como professor titular, até me aposentar, em março de 1991, e como pesquisador aposentado do CNPq até julho de 1994, contribui para geração de novos conhecimentos científicos através das atividades de pesquisa em Química de Produtos Naturais e formação de recursos humanos qualificados por meio do ensino de disciplinas de graduação, orientação de bolsistas de iniciação científica, e de disciplinas de pós-graduação e orientações de mestrado e doutorado, sem descuidar do desenvolvimento social, científico e tecnológico nacional e das aspirações da sociedade brasileira.
Em que ano o senhor se casou? Tiveram filhos?
Eu e Maria Maronci Monte Braz, professora aposentada da UFRRJ, nos casamos em 25 de maio de 1963, continuo muito feliz com ela e com os dois filhos: Jamil Monte Braz, graduado em Zootecnia (1993) e mestre em Nutrição Animal pela UFRRJ; e Denise Monte Braz, graduada em Ciências Biológicas pela UFRRJ (1995), mestre em Botânica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Minas Gerais (1999), doutora em Ciências Biológicas – Biologia Vegetal – pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Rio Claro, SP (2005), e atualmente professora associada do Departamento de Botânica da UFRRJ.
Quais as lembranças que a UFRRJ evoca para o senhor?
A contribuição para a fundação da Associação dos Docentes da UFRRJ (Adur-RJ), em 1979, continua ativando lembranças marcantes historicamente. Não esqueço da homenagem inesquecível que recebi da Adur quando fui eleito reitor da UENF.
Por ocasião da luta pela democratização do processo eleitoral para indicação de reitor da UFRRJ, fui contemplado com votações, como forma de combate e protesto contra grupos que usavam o poder do status burocrático para adotar mecanismos destinados ao continuísmo, numa prática incompatível com a vida acadêmica. Nesse primeiro processo eleitoral para Reitor com participação direta da comunidade universitária, tive meu nome indicado como o mais votado pelo segmento docente para compor a lista sêxtupla, que não foi referendada pelos Colegiados Superiores que compunham o Colegiado Eleitoral. Mais uma vez, prevaleceu o esquema conservador, apesar da expectativa da comunidade universitária por mudança.
Como foi se tornar professor emérito da UFRRJ?
Obviamente, a conquista do título de Professor Emérito da UFRRJ, em 27 de setembro de 1994, na administração do professor Mânlio Silvestre Fernandes, representou o reconhecimento institucional pelo desempenho profissional nas atividades de ensino na graduação e pós-graduação; pesquisa, com a geração de novos conhecimentos revelados através de artigos publicados e nas orientações de iniciação científica, mestrados e doutorados e supervisão de pós-doutorado; e contribuição administrativa, com a ocupação de cargos administrativos da máquina acadêmica institucional.
Assim, não é possível ignorar outras conquistas adicionais da própria Universidade, onde desfrutei e continuo desfrutando, sempre, de convivência profissional estimulante, humana, ética e cidadã. Fui homenageado por meio do Anfiteatro/Sala 20 do Pavilhão de Química (PQ), denominado Raimundo Braz Filho, onde foram iniciadas e continuam sendo desenvolvidas as atividades de ensino e pesquisa do curso de pós-graduação em Química da UFRRJ. Esta homenagem foi concedida através do Professor João Batista Neves quando diretor do Instituto de Ciências Exatas (ICE), atualmente Instituto de Química (IQ). Durante a comemoração do Centenário de Origem da UFRRJ, em 28 de outubro de 2010, recebi a Medalha do Centenário e Honra ao Mérito.
O que o senhor gostaria de destacar sobre sua trajetória na UENF?
Atendendo convite do diretor do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA), Newton Rocha Leal, e do magnífico reitor Wanderley de Souza, assumi em 1º de agosto de 1994 vínculo empregatício com a UENF, em Campos dos Goytacazes – RJ, como Pesquisador Titular – Nível 5, em regime de dedicação exclusiva, vinculado ao Laboratório de Ciências Químicas (LCQUI) do Setor de Química de Produtos Naturais (SQPN) do Centro de Ciência e Tecnologia (CCT). Fui chefe deste Laboratório e representante do CCT no Conselho Universitário.
Fui eleito reitor da UENF para o período de 30 de junho de 2003 a 29 de junho de 2007. Desenvolvi atividades administrativas, acadêmicas e científicas compatíveis com as exigências de ensino, pesquisa e extensão e com as diretrizes universitárias para o fortalecimento e a consolidação institucional da Universidade. Parece-me que, a incorporação do nome Darcy Ribeiro foi mais uma brilhante ideia de Wanderley de Souza. Ao assumir a Reitoria, adotei a denominação de câmpus Leonel Brizola para o local onde se instalou inicialmente e permaneceu em pleno funcionamento a Universidade. Julgo oportuno destacar, também, a conquista de condições administrativas, operacionais para o pleno funcionamento institucional e estímulo adicional para as atividades científicas.
Como foi para o senhor ser listado como um dos cientistas mais influentes do mundo?
A presença na relação dos 600 cientistas brasileiros relacionados nos 100 mil top do mundo gerou grande satisfação profissional e cidadã. Obviamente, este fato histórico provocou grande alegria, satisfação e sentimento do dever cumprido com dedicação, ética e competência, somando-se a outras conquistas anteriores, como o título de Comendador Nacional do Mérito Científico Nacional (2000); a Medalha Tiradentes (2003); o título de Cidadão do Estado do Rio de Janeiro na Alerj – RJ (2006) e de Cidadão Campista; professor Honoris Causa da UFC (1995) e da UFPB (2012); e Membro Honorário da Academia Cearense de Ciências (2018).
O senhor poderia falar um pouco mais sobre sua contribuição para o desenvolvimento científico nacional?
Os artigos científicos publicados em revistas nacionais e estrangeiras de circulação internacional apresentam resultados que envolveram também trabalhos desenvolvidos em colaboração com pesquisadores de outras instituições. Os artigos publicados encontram-se relacionados, principalmente, a investigações em química de produtos naturais através do isolamento e elucidação estrutural de substâncias orgânicas produzidas pelo metabolismo secundário de organismos vivos. No isolamento e purificação das substâncias naturais e seus derivados e dos produtos sintéticos foram usados principalmente métodos cromatográficos e cristalizações. Tais atividades de pesquisa proporcionaram resultados que permitiram a publicação de 548 artigos, sendo 234 em periódicos nacionais, 300 em periódicos estrangeiros e 14 em Anais, até 20 de abril de 2021. Os dados que permitiram a obtenção destes resultados foram conseguidos inicialmente em laboratórios dotados de infraestrutura mínima e contaram com recursos financeiros relativamente modestos, obtidos principalmente através de auxílios concedidos pelo CNPq, Capes, Faperj, e Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT) da Finep. Os primeiros auxílios concedidos por estes órgãos de fomento permitiram a aquisição de material de consumo e equipamentos, como reator fotoquímico, cromatógrafo de gás e espectrômetros UV-Vis, IV e RMN1H (T-60 Varian, 60 MHz), além de evaporadores rotativos, aparelho para ponto de fusão e de outros materiais permanentes utilizados comumente em laboratórios de química de produtos naturais-química orgânica. Desta forma, durante muito tempo, os espectros de massas e de RMN (1H: 100 MHz; 13C: 25,2 MHz) foram obtidos em outras instituições nacionais e estrangeiras. A busca desesperada para o desenvolvimento industrial, alimentada pelos sucessivos governos brasileiros, inclusive de forma surpreendente os sonhados governos civis, provocou redução dos investimentos para investigação na área das ciências básicas fundamentais, proporcionando a manutenção de bibliotecas desatualizadas, laboratórios empobrecidos, mal equipados e infraestruturas inadequadas. Os equipamentos de grande porte, essenciais para o desenvolvimento evolutivo das atividades de pesquisa em química de produtos naturais, foram concedidos para um número reduzido de centros de pesquisa, centralizando-se, inclusive, alguns aparelhos de custo relativamente baixo e de utilização rotineira. Além da inaceitável escassez de aparelhagem, verificou-se também dificuldades financeiras e burocráticas para manutenção e recuperação de equipamentos. A área de química convive ainda com uma grande demanda reprimida de equipamentos. A distância da realidade atingida por outros países, até mesmo do terceiro mundo, continua produzindo insatisfações, inquietações e desestímulos, contribuindo inegavelmente para diminuir o ritmo das atividades de pesquisa desenvolvidas no país.
Qual sua leitura sobre o cenário atual de crescimento da desinformação científica e de redução nos investimentos na ciência brasileira?
O Brasil tem sido vítima histórica e permanente da falta de atenção e compreensão dos ocupantes de cargos nos órgãos executivos e legislativos, desprezando e ignorando sempre a importância da educação, ciência e tecnologia para o desenvolvimento social, econômico e preservação da saúde. Esta evidência perversa agora continua sendo fortalecida pelo cenário atual, alimentado pela ameaça de redução dos recursos, pela incompetência, aumento da corrupção generalizada e desrespeito às leis. O cenário político atual continua ameaçando a necessária manutenção do patamar construído ao longo do tempo e desprezando a manutenção do processo evolutivo educacional, científico e tecnológico essenciais para o desenvolvimento social e atendimento das aspirações e os anseios da sociedade. A Coréia do Sul pode ser citada como importante exemplo de respeito rigoroso a tais exigências, alcançando desenvolvimento que ultrapassou o Brasil em tempo recorde.
Como o senhor está lidando com o período de isolamento social decorrente da pandemia de Covid-19?
Desde março de 2020 estou atendendo os cuidados impostos como consequência das exigências para proteção da pandemia e desenvolvendo as atividades profissionais possíveis na residência no Bairro Boa Esperança, em Seropédica – RJ. Assim, permaneço impossibilitado de comparecer pessoalmente na UENF para cumprir os 15 dias mensais estabelecido pelas minhas atividades profissionais desenvolvidas na UFRRJ e na UENF, em Campos dos Goytacazes – RJ, onde mantemos também residência. Eu e minha esposa já tomamos as duas doses da vacina contra Covid-19 e estamos programando a próxima viagem para Campos – RJ. Após a pandemia continuarei desenvolvendo as mesmas atividades profissionais nas duas instituições (UFRRJ e UENF) e mantendo as colaborações com pesquisadores de outras instituições públicas brasileiras, contando sempre com manutenção da bolsa de Pesquisador Visitante Emérito (PVE) concedida pela Faperj.
Por Michelle Carneiro, jornalista da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFRRJ).
Postado em 14/05/2021 - 17:58 - Atualizado em 16/06/2021 - 10:39
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